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  • Foto do escritorJosé A. Andrade Gomes

O valor dos solos rústicos e o objetivo da neutralidade carbónica


0. Nota prévia:

Este post a que damos o título de “o valor dos solos rústicos e o objetivo da neutralidade carbónica”, segue-se a um outro sobre o mesmo assunto, que publicámos neste blog em 4 de dez. de 2018 que chamámos “a transição energética e o valor dos terrenos agrícolas e dos terrenos florestais” e que pode ser lido aqui.

Para quem escreve este post, não são ainda claras todas as implicações e consequências que a crise provocada pelo “corona vírus” terá na nossa vida coletiva; ainda assim, admite-se que os aspetos relacionados com a sustentabilidade e qualidade ambientais estarão ainda mais presentes nas nossas vidas do que estavam antes deste acontecimento.

Neste post pretendemos refletir sobre quais as implicações que o objetivo proposto de atingir a “neutralidade carbónica em 2050”, poderá ter no valor dos solos rústicos. Pretende-se que esta reflexão seja simples e que apresente com clareza os conceitos em que se baseia. Admite-se que alguns considerem esta análise simplista; para quem escreve este texto, se esta reflexão levar a que mais alguém pense sobre este assunto, esta já atinge o objetivo proposto.

1. Do valor de mercado dos prédios rústicos

Em todas as zonas do país, em maior ou menos número, ocorrem transações de prédios rústicos (agrícolas ou florestais). Nessas transações forma-se um preço, mas será que que daqui podemos concluir que esse preço corresponde ao valor do prédio?

É um exercício difícil dizer em que situações o preço de transação corresponde ao valor do prédio e em que situações isso não se verifica. Porém é possível identificar algumas características que têm grande parte dessas transações, como sejam:

. o bem transacionado tem baixa liquidez

. as transações ocorrem normalmente em zonas de baixa densidade populacional e muito afetadas pela desertificação do interior do país

. muitos dos proprietários agrícolas ou florestais, vendedores, são pessoas de idade avançada cujos descendentes não pretendem fixar-se nas zonas em que se situa a propriedade

. em muitas das transações existe uma grande assimetria entre comprador e vendedor, no que se refere a dimensão e recursos,

. muitas das transações envolvem pequenos proprietários, para os quais não é fácil o acesso a programas de incentivos e de reestruturação fundiária

. o número de transações que se verificam, na maior parte das regiões, não é suficiente para estabelecer uma amostra fiável

Na opinião do autor deste post, porque existem vários fatores de enviesamento do montante envolvido nas transações, não é possível inferir diretamente o valor de terrenos agrícolas e florestais. Ou seja, o valor de transação, nem sempre corresponde ao valor do terreno.

2. Do modelo de avaliação tradicional de prédios rústicos

Para avaliar os prédios rústicos é habitual adotar um modelo que tem por base a conta de cultura que melhor se adapta ao prédio e à região, estimando a partir desta o rendimento anual médio do prédio que é transformado em capital.

Esta é também a modelação de valor que prevê o código das expropriações (CE), aprovado pela Lei nº 168/99 de 18 de setembro e o código do imposto municipal de imóveis (CIMI), aprovado pelo Dec.-Lei nº 287/2003, de 12 de novembro.

O CE no nº 3 do artigo 28º estabelece que o valor do solo “será calculado tendo em atenção os seus rendimentos efetivos ou possível”.

O CIMI no artigo 17º, prevê que o “valor patrimonial tributário dos prédios rústicos corresponde ao produto do seu rendimento fundiário pelo fator 20”, estabelecendo no artigo 18º que “o rendimento fundiário corresponde ao saldo de uma conta anual de cultura em que o crédito é representado pelo rendimento bruto e o débito pelos encargos de exploração”.

Habitualmente, na avaliação dos prédios rústicos para elaborar a conta de cultura, consideram-se apenas os rendimentos diretamente relacionados com a produção. Ou seja, nos terrenos agrícolas têm-se em conta as várias culturas que seja possível fazer durante um ano, e as suas produções e preços; no caso dos terrenos florestais considera-se o valor da madeira produzida durante um ciclo, acrescido do valor de eventuais subprodutos, como sejam, por exemplo a biomassa.

3. Novo paradigma

Em coerência com as medidas estabelecidas pela Comissão Europeia no âmbito da “transição energética” pretendida para o espaço europeu, Portugal definiu o objetivo de atingir a “neutralidade carbónica” em 2050.

Para atingir a “neutralidade carbónica” é importante a redução de emissões de CO2, mas é também relevante incrementar a capacidade de sequestro de CO2 que os terrenos rústicos podem proporcionar.

A função de sumidouro das manchas florestais é importante para atingir o objetivo proposto e na medida em que compensa emissões de CO2 tem valor económico.

As abordagens tradicionais de valorização dos solos rústicos têm ignorado esta contribuição da floresta para o sequestro de CO2 e também a contribuição para a preservação paisagística dos terrenos agrícolas.

Hoje, há valor económico na contribuição das manchas florestais para o sequestro de CO2 e também em outros serviços ecológicos prestados pelos terrenos rústicos. Quando os modelos de avaliação que são adotados não consideram estas contribuições, não só estão a desvalorizar o nosso capital fundiário coletivo, como estão também a penalizar os proprietários de prédios rústicos.

Ao não considerarmos o valor económico da capacidade de sequestro de CO2 da floresta e a contribuição para a preservação paisagística dos terrenos agrícolas, estamos também a perder a oportunidade de dar um sinal aos proprietários rurais de que vale a pena tratar as propriedades e de sinalizar que a “neutralidade carbónica” contribuirá para a valorização dos terrenos rústicos.

No ponto seguinte, para reflexão, apresenta-se uma hipótese para o cálculo do valor da capacidade de sequestro de CO2 de um ha de floresta. Valor este que, sendo válido, deveria acrescer ao valor diretamente relacionado com a produção.

4. Do valor da capacidade de sequestro de CO2 da floresta (uma hipótese)

Assumindo que a floresta contribui para o sequestro de CO2 e, que é da redução de emissões conjugada com esta contribuição que pode ser alcançada a meta da neutralidade carbónica, considera-se que há valor nesta contribuição.

O objetivo da análise a seguir apresentada não é a determinação desse valor. O que se pretende, é, tão só, fazer uma primeira reflexão e estimar a ordem de grandeza desse valor, caso se verifiquem os pressupostos que a seguir são referidos.

Assim, temos:

i) Potencial de sequestro de CO2

este aspeto está relacionado com a biomassa, sendo distinto para as várias espécies florestais, refere-se:

. eucalipto: 15 a 30 t CO2/ha/ano

. pinheiro-bravo: 15 a 25 t CO2/ha/ano

. sobreiro: 1 a 5 t CO2/ha/ano

ii) Valor de mercado das licenças de CO2

sem entrar nas especificidades deste mercado nem considerar os aspetos relacionados com a sua volatilidade, admite-se um valor de 20,0 €/t no caso de aquisição de licença de emissão

Cenário 1:

Numa análise à perpetuidade, a preços constantes e considerando uma taxa real de desconto de 2,0 %, o valor económico da capacidade de sequestro de um ha de floresta de eucalipto seria:

22,5 t CO2 x 20,0 €/t / 0,02 = 22.500 €/ha (2,25 €/m2)

Cenário 2:

Considerando os mesmos pressupostos do cenário 1, mas admitindo um crescimento real de 0,5% ao ano do custo das licenças de emissão, teríamos:

22,5 t CO2 x 20,0 €/t / (0,02 – 0,005) = 30.000 €/ha (3,00 €/m2)

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